sábado, 22 de maio de 2010

Cantiga de Mal-Dizer

Luzia Sanches, jazedes (1) em gram falha (2)
Comigo, que nom fodo mais nemigalha (3)
D'ua vez; e, pois fodo, se Deus mi valha,
Fiqu' end' afrontado bem afrontado bem por tercer dia.

Por Deus, Luzia Sanches, Dona Luzia,
Se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia

Vejo-vos jazer migo muit' agravada,
Luzia Sanches, por que nom fodo nada.
Mais, se eu vos per i ouvesse pagada (4),
Pois eu foder nom posso, peer-vos-ia (5).

Por Deus, Luzia Sanches, Dona Luzia,
Se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia.

Deu-mi o Demo esta pissuça cativa (6),
Que já nom pode sol cuspir a saíva (7)
E, de pram, semelha mais morta ca viva,
E, se lh' ardess' a casa, nom s'ergeria (8).

Por Deus, Luzia Sanches, Dona Luzia,
Se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia.

Deitaram-vos comigo os meus pecados.
Cuidades de mi preitos tam desguisados (9),
Cuidades dos colhões, que tragu' inchados,
Ca o som com foder e com maloutia (10).

Por Deus, Luzia Sanches, Dona Luzia,
Se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia
.

Joan Soares Coelho, foi um poeta que viveu em Portugal na segunda metade do séc. XIII e terá falecido por volta de 1279-80.

Em Poemas Portugueses - Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Selecção, organização, introdução e notas de Jorge Réis-Sá e Rui Lage, Porto: Porto Editora, 1ª edição, 2009, pág. 41.

Vocabulário: (1) estais, estais deitada. (2) agravada. (3) já não fodo mesmo nada. (4) se pudesse desse modo agradar-vos. (5) peidar-vos-ia. (6) infeliz. (7) nem sequer pode cuspir a saliva (ejacular). (8) ergueria. (9) coisas tão inconvinientes. (10) doença

sexta-feira, 21 de maio de 2010

As Cantigas de Maldizer distinguem-se das de Escárnio por apresentar sátira direta. A crítica, sempre contundente e clara, muitas vezes usa o baixo calão (palavrão) e dá nome à pessoa criticada (recurso também utilizado, embora com menos freqüência, nas Cantigas de Escárnio). As críticas referem-se a comportamentos políticos, sexuais, a nobres traidores, compositores incapazes, rivais amorosos, mulheres de hábitos considerados feios ou imorais, pessoas, profissionais ou proprietários pretensiosos .

Essas composições satíricas (Escárnio e Maldizer) circulavam por lugares públicos como feiras, colheitas, tabernas, periferias urbanas, caracterizando uma literatura marginal, mas, mesmo por isso, de importância histórica bastante razoável, a exemplo das Cantigas de Amigo, pelo registro social feito .

Veja o texto :

“Ben me cuidei eu, Maria Garcia ,
en outro dia, quando vos fodi ,
que me non partiss'eu de vós assi
como me parti já, mão vazia ,
vel (1) por serviço muito que vos fiz;
que me non deste, como x'omen diz (2),
sequer um soldo que ceass'(3) um dia.

Mais detsa seerei (4) eu escarmentado
de nunca foder já outra tal molher,
se m'ant'algo (5) na mão non poser,
ca (6) non ei (7) porque foda endoado (8);
sabedes como: ide-o fazer
con quen teverdes (9) vistid'e (10) calçado.

Ca me non vistides nem me clçades
nem ar (1) sel'eu eno ( 12 ) vosso casal (13 ) ,
nen avedes (14) sobre min non pagades;
ante mui ben e mais vos en direi:
nulho (15) medo, grad'a (16) Deus, e a el-Rei ,
non ei de força que me vós façades.

E, mia dona, quen pregunta non erra ;
e vós, por Deus, mandade preguntar
polos naturaes deste logar
se foderan nunca en paz nen en guerra,
ergo (17) se foi por alg'ou por amor.
Id'adubar vossa prol, ai, senhor,
c'avedes, grad'a Deus, renda na terra.”

(Afondo Eanes do Coton)



Vocabulário : (1) em troca de; (2) como se diz ; (3)suficiente; (4) sairei ; (5) antes me algo; (6) pois; (7) hei , há ; (8) de graça ; (9) tiverdes; (10) vestido; (11) novamente; (12) na; (13) vossa casa; (14) tendes; (15) nenhum; (16) graças; (17) salvo

Nossa veloz professora,
um tal segredo mantém;
sempre a mesma “vassora”,
na qual voando ela vem.

Numa vassoura novinha,
na qual voando ela vinha,
minha vizinha do lado,
chegou do supermercado.

Você de mim acha graça,
eu não ligo nem um pouco;
alguns pensam que sou louco,
outros dizem que é cachaça.

Não sei porque falas mal,
não vá mudar de assunto;
você que foi pro hospital
e quase vira defunto.

Você de mim pensas mal,
pois eu te falo bem sério,
ao saíres do hospital,
morarás no cemitério.

Despacho na encruzilhada,
só é coisa prá quem tem,
a cabeça atrapalhada
e no bolso um só vintém.

Não quero nada com isso
e nem ouvir teu conselho,
não vou botar meu bedelho,
isto me cheira feitiço.

Não acredite no papo,
das vizinhas mentirosas,
dizem que saí de sapo,
no bloco das melindrosas.

Àquela minha promessa
renunciei bem depressa,
quando vi que era pouca,
o que tu chamavas de roupa.

Osiris Duarte de Curityba

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Canções de Maldizer

Cantigas de Maldizer:
Através delas, os trovadores faziam sátiras diretas, chegando muitas vezes a agressões verbais. Em algumas situações eram utilizados palavrões. O nome da pessoa satirizada podia aparecer explicitamente na cantiga ou não.


O bela dama gorda, que anda pelos bosques a noite
O que será que queres com essas saias curtas?
Estarás a procura de um pretendente?
Ou apenas de uma diversão passageira
Com rapazes vorazes para mostrar suas forças.
Ó bela dona gorda, por que fazes isso?
Provocar o desejo alheio e depois renunciar
O que pretendes fazer agora, com sua fome enorme?
Engolir o mundo e soltar os pedaços ao longe?
Não sabes responder, pois suas formas globais não deixam.
És a o barril de vinho da taverna, onde todos bebem
Sem pudor nenhum de mostrar suas vergonhas ao dia
Dá ao peito a quem é de direito, a não foges a luta
É bela dama feia e gorda, nunca irás casar
Nem com o belo cavaleiro de roupas azuis
Que faz de sua espada, a faca perfeita
Nos dias de festas e as carnes de javali.
Não satisfaz suas vontades pervertidas e maldosas
És apedrejadas a cada canto que passas
Sua reputação não é das melhores, nem exemplo
O bela dama feia, gorda e velha, digna de pena
Não se maltrate assim, não é preciso fazer isso
Deixa sua avantajada cabeça pensar
Ou já perdestes o dom de pensar?
Achas que não, mas é o que parece , bela gorda
Deixe os anos passarem e sua pele ficar mas argilosa
Perceberás que não poderá desfrutar das alegrias
Que antes fazias e gozavas em demasiada euforia
Sua época de outono chegou e o inverno logo chegará
Com seu corpo imenso e pesado no mármore gelado
É bela dama gorda, sente-se e tome um café.